Além do canal e dos papers

Faz quinze dias que nos mudamos para Ciudad de Panamá, esse lugar que ainda não consegui decifrar totalmente ainda e sabia bem pouco a respeito – do Canal que liga o Oceano Pacífico ao Atlântico, de que foi dominada até o fim dos anos 90 pelos norte-americanos e da história dos Panama’s Papers. A mudança surgiu na nossa vida quando em novembro meu marido recebeu uma proposta de vir trabalhar aqui, pela mesma empresa onde já estava há quatro anos, lá no Brasil. Depois de algum estranhamento, horas de conversa e uma cerca preparação psicológica resolvemos vir.

Num primeiro momento a cidade me pareceu uma mistura de Hong Kong, Salvador e Praia Grande, com aquele toquezinho do caos paulistano. Tem um monte de arranha-céus, um calor do cão, uma orla bonita (mas sem praia e com um mar longe de ser cristalino), shoppings às pencas e um trânsito inacreditável. Felizmente nem tudo é terrível: tem um centro antigo lindo e cheio de vida, bons lugares pra correr e fazer outras atividades ao ar livre e ótimos restaurantes, alguns bem mais caros do que deveriam.

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A vista do nosso apartamento provisório (com pouco trânsito, no final de semana) e a porção Hong Kong da cidade, ao fundo.

Estou trabalhando arduamente para entender um pouco daqui e achar o meu lugar em meio a tudo isso. E já que vamos morar neste pequeno país da América Central por pelo menos dois anos, tentaremos fazer do abacaxi uma piña colada, para ficar ao gosto local (ainda que esse drinque seja doce demais pra mim, que prefiro os negronis e os gin tônicas). Para encurtar a história e compartilhar um pouco do que tenho visto e observado, fiz uma lista de impressões que tive desses primeiros dias.

 

Carros, carros pra todo lado

Sabe cidade pensada para pessoas? Então, Panamá não é uma dessas. Para ter uma ideia, nós estamos morando provisoriamente em uma região nobre, a Avenida Balboa, que margeia a orla e é uma das artérias da cidade. O trânsito nela é inacreditável, comparável com o da Avenida Rebouças, em São Paulo. E faz dias que não durmo direito por conta do barulho de caminhões e ônibus, que passam buzinando dia e noite.

Bicicleta? Esquece. Só dá para usá-la em algumas duas ou três ciclovias da cidade, todas para fins recreativos, não para transporte. Não vi uma alminha corajosa pedalando pelas redondezas durante a semana para ir ao trabalho ou escola. Transporte público? Cobre uma pequena área (ônibus e metrô) e é bem ruim, segundo ouvi de alguns locais. Nada muito diferente do que já conhecia de outras cidades latino-americanas, infelizmente.

Há também alguns ônibus escolares norte-americanos antigos, que foram reaproveitados como uma forma de transporte mais barata, os Diablos Rojos. São tipo lotações, que custam baratinho e têm um cobrador que para em cada ponto gritando o destino, enquanto o motorista buzina loucamente. Aliás, se eu já achava essa mania de buzinar um negócio insuportável antes, agora minha reação diante disso é dez vezes pior.

 

Andar a pé, essa aventura

Temos andado bastante aqui, tanto na orla quanto nas ruas mais pra dentro do bairro em que estamos. E é engraçado ver que a maior parte das pessoas que faz isso é formada por estrangeiros. Os panamenhos parecem não apreciar muito a ideia de caminhar, a não ser pra fazer exercício. Tá, a temperatura média é de 30 graus e eu particularmente não lido bem com calor, mas estamos falando de cinco quadras até o mercado e não de atravessar a cidade.

Um ponto que dificulta esse hábito é que em várias ruas simplesmente não há calçada! E quando elas existem são supermal cuidadas, cheias de buracos e ondulações, daquelas que exigem bota de caminhada para atravessá-las sem ganhar uma torção braba no pé. E, para tornar o simples ato de dar uma voltinha um pouco mais tenso, as ruas são pouquíssimo iluminadas à noite. Uma lição de respeito à mobilidade, só que não.

 

Resta uma esperança

Nem tudo é tão horrível quando se fala em espaço público. Há a Cinta Costeira, espécie de calçadão multiuso com ciclovia, pista de corrida, quadras de esportes, aparelhos de ginástica e espaços para o povo que gosta de bailar salsa ou outros ritmos nem tão latinos assim. A pista de corrida e caminhada tem 3,5 km e liga a Punta Paitilla, que é um bairro cheio de prédios altíssimos, ao Mercado de Mariscos, onde se pode comprar ou comer ali mesmo peixe e frutos do mar fresquinhos a preços justos.

Estamos procurando um apartamento definitivo aqui na região, para podermos aproveitar esse pequeno respiro urbanístico em um lugar em que, sem firulas, os carros são bem mais importantes que as gentes. Eu sei, São Paulo também é assim, mas estamos bastante mais adiantados neste aspecto do que a turma daqui. Acredite!

 

Formalidade e maquiagem

Mesmo sendo uma cidade à beira-mar, os seres que aqui nasceram e habitam olham feio para quem usa o combo short-chinelo para andar na rua. Em alguns lugares nem tão finos assim os caras podem se negar a atender ou mesmo barrar a entrada de pessoas trajando bermudas e havaianas. Eu sempre me lembro de ver senhores entrando no banco usando sunga, lá no Rio, e penso que jamais essa cena aconteceria aqui. Até porque aqui não tem praia, apesar do mar (à la Praia Grande) logo ali.

Os homens preferem vestir calça social e camisa, e as mulheres, como tantas outras, não deixam o salto alto de lado nunca. E elas ainda usam maquiagem pesada com essa temperatura “maravilhosa”. E não é só no estilo que os panamenhos são formais: aqueles com quem tive contato são muito fechados, sérios e não fazem questão alguma de serem simpáticos. Acho que são assim mais por desconfiança que por serem mala gente, mesmo. Se você insistir na conversa e tiver paciência eles se abrem um pouco mais.

 

Tudo americanizado

Você vai ao supermercado e lá a maior parte dos produtos é importada dos Estados Unidos, o que pra mim tem cheiro de Síndrome de Estocolmo, uma vez que os norte-americanos ocuparam parte do país desde o começo do século XX e controlaram o Canal do Panamá até 1999. Mas psicologia à parte, o país é pequeno e a produção de alimentos também, de forma que muita coisa vem de fora.

Na rua, todo mundo dirige SUV’s gringas – segundo nos disseram, aqui carros altos são obrigatórios, por conta da estação das chuvas, quando grande parte da cidade é alagada. Aham. Os caras são mesmo chegados em um american way of life. Não que muitos brasileiros também não o sejam, sabemos bem disso. Mas esse foi um aspecto daqui que mais que me chamou a atenção e quero entender melhor com o passar do tempo.

 

Vida cultural #FAIL

Uma das coisas que mais me atormentou nos meses que antecederam a nossa mudança foi saber que a área cultural panamenha não era lá muito bem cuidada. Só há salas de cinemas em shoppings e a programação é igual em todos eles. Ouvi falar que uma das universidades tem um cineclube, mas não achei informação alguma a respeito. Há um festival de cinema em março e estou curiosa para conhecê-lo. Mas de qualquer forma, agradeço aos deuses da sala escura pela existência do Mubi e do Netflix. ❤

Outra coisa que me deixou bem chocada foram os “cadernos culturais” dos dois maiores jornais daqui, o La Prensa e o La Estrella. Falam de fofocas (gravidez da Beyoncé, esse tipo de coisa) e colunas sociais locais. As matérias que tratam de cinema ou literatura geralmente são de agência de notícias. Aliás, a qualidade do jornalismo daqui merece um post à parte.

Quanto a museus, a cidade tem dois, com programação e acervos fracos. Há também uma meia dúzia de centros culturais, galerias, uma microcena de música alternativa, e eventos como feirinhas de comida e bebida, além de pequenos festivais de música aqui e ali (ah, o hipsterismo global). Na semana passada fomos a um deles e lá vimos shows de algumas bandas locais interessantes, além dos ótimos colombianos do Los Aterciopelados. Foi divertido – apesar do show principal ter atrasado mais de 1h e ninguém falar nada – mas vamos seguir de olho no que acontece.

 

Antigo e em atividade

A parte mais antiga da cidade do Panamá é muito bonita, e o quê de Salvador que comentei lá no primeiro parágrafo se refere a ela. Pelo Casco Viejo, como é chamado aqui, muitos edifícios coloniais espanhóis e franceses lindos e bem conservados, vários bares, restaurantes e terrazas para quem tomar um drinque olhando a baía (a melhor vista da cidade, até agora). Ali ao lado, casas velhas e cortiços onde moram panamenhos que se mesclam aos turistas e aos expatriados (rótulo babaca, mas não consigo usar outro agora, desculpem-me) para aproveitar as noites na rua.

Na mesma região fica o maior teatro da cidade (que está fechado por reforma há anos), igrejas centenárias, a presidência da república e alguns centros culturais com pouquíssimas atividades. Ainda não conheço quase nada, mas me pareceu ser o lugar mais interessante da cidade.

 

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Uma das pracinhas do Casco Viejo panamenho.

 

Que cosa más bonitica!

Mesmo estranhando um pouco estou achando fofo o jeito de se falar daqui. No espanhol que eu estudei fala-se “pequenito”, como na Espanha, na Argentina, no Uruguai e no Chile. Em parte da América do Sul (Colômbia e Venezuela), na Central e no Caribe usa-se o “ico”no lugar do “ito”. E se tem uma coisa que eu sempre prestei muita atenção em qualquer lugar é sotaque: o daqui é bem diferente dos vizinhos venezuelanos e colombianos, se aproximando mais dos cubanos. Ah, e como sou meio Zelig , pode ser que daqui a um tempo esteja usando o “ico”também. 🙂

No player: La Pachanga (Vilma Palma y los Vampiros)