Passagens

Foi só quando me mudei para a Holanda, há quase três anos, que finalmente me dei conta do meu envelhecimento, das marcas da passagem no tempo na minha alma e no meu corpo. Eu tinha 45 anos e ainda não tinha notado muitas mudanças, ou melhor, não tinha dado muita atenção a elas. Afinal, pensamos que por dentro sempre temos a mesma idade, como dizia Gertrude Stein. Até que vieram os primeiros sintomas da perimenopausa, esse período que encerra definitivamente a idade fértil feminina, encerrando planos e possibilidades, e causando vários incômodos que, felizmente já não são os tabus que eram há pelo menos 10 anos.

Completei 48 anos de vida no último sábado. Não com carinha de 40, nem de 45, mas de 48, mesmo. Em cada marca, uma história formada de várias outras histórias pequeninas, de minividas que aconteceram no dia a dia no meu país, depois nos outros quatro países onde morei, em cada viagem, em cada passeio. Meu sorriso não mudou muito, mas agora ele ganhou a companhia constante das rugas em torno dos olhos e, mais recentemente, da própria boca. Mas nem por isso deixo de seguir sorrindo, ainda que muito menos que gostaria, já que vivo em um país onde a falta de sol, a dupla chuva-frio, a distância da família e dos amigos, e a própria natureza dos nativos não me causam tantas emoções sorridentes.

Não me sinto uma versão melhorada de mim mesma, nem tampouco uma pior. Nem tampouco estou “living the dream”, como se tornou comum o pessoal da Geração Z postar nas redes sociais. Recebo o passar do tempo em minha mente e meu corpo de forma natural, tomando muito cuidado com a minha saúde, tratando de comer direito, fazendo exercício, tomando pouco álcool e dormindo o máximo que posso. Para complementar, usando poucos cremes e recorrendo a zero tratamentos para “segurar o tempo”. Insisto naquela história de ser bonita por dentro e deixar que algo dessa beleza brilhe para fora.

Celebro minhas minúsculas alegrias diárias e já não espero por aquelas grandes, imensas, que surgem de vez em quando. Quando é a vez delas, acalento-as, com carinho, sabendo que, como na filosofia budista e no belo filme Perfect Days (Wim Wenders, 2023), “hoje é hoje; próxima vez é próxima vez”. Agradeço à vida por poder ter tido tantas escolhas, certas ou erradas, me arrependo de algumas e sinto um conforto quando lembro de outras. Como todo mundo que já viveu tanto, sigo uma de minhas muitas vidas e reinvenções. E espero que venham muitas outras por aí. 

No player: Sit down (James)